Como nossos pais...

Muitas histórias sobre pais, filhos, mães e filhas...

Eu e meus filhuskos num dia importante...





















****


O Braizinho lá de Lajinha

“Quero levar o meu canto amigo, a qualquer amigo que precisar...”

Em poucas palavras só para ter uma idéia, imaginem o futuro de uma pessoa que passou pelas seguintes situações: na infância só foi alfabetizado, o pai faleceu nos anos 60 e deixou a mãe viúva com 6 filhos sem nenhuma perspectiva de futuro, desde os 5 anos trabalhou e aos 16 foi para São Paulo ainda menor, para trabalhar na construção cível, quase morreu na basílica de Nossa Senhora Aparecida após um grave acidente, se recuperou, continuou trabalhando. Alguns anos depois, por uma bênção divina conseguiu um emprego na Goodyear de São Paulo e apesar de duro, este trabalho foi muito importante para alicerçar sua família... E assim ele permaneceu lá trabalhando, como um bom funcionário, diariamente durante 28 ininterruptos anos até a aposentadoria.

Essa história que aqui conto resumidamente é a história do meu pai e parafraseando aquele livro famoso, torno agora minha, aquela frase: “quando uma filha pára para contar a história de um pai, é preciso parar para ouvi-la”...

Pois é... Talvez pelo começo extremamente árduo e pela história de lutas e muitas dificuldades, poderíamos dizer que ele, depois de tantos percalços e adversidades, deveria ter se tornado alguém duro, massacrado pela vida e cansado de tantas batalhas para sobreviver, para viver dignamente e ter seu lugar ao sol... Mas ao contrário, com o tempo ele florescia cada dia mais e mais e construiu um lindo jardim.

Hoje tenho 36 anos, mas quando eu tinha mais ou menos 14 anos meu pai descobriu a doutrina de Allan Kardec, com essa descoberta a vida da minha família mudou muito. Neste ponto da história penso que a maior generosidade de todas, foi a da minha mãe, que aceitou e compreendeu desde o início e tentou na medida do possível, o acompanhar nesta nova empreitada. Meu pai se tornou um fervoroso espírita e passou a militar por esta crença que ele realmente acreditava ser nobre. Além da doutrina, o espiritismo divulga acima de tudo o amor ao próximo e foi assim que meu pai resolveu seguir sua vida: amando o próximo... Por amor, ele em muitos momentos deixou sua própria família, sua esposa, seus interesses pessoais, para se dedicar à uma causa maior ou à várias, conforme o “homem lá de cima, ia escrevendo o caminho, a história dele”.

Nós fomos voluntários em muitas instituições nestes primeiros anos. Conhecemos várias histórias que muito nos ensinaram: as crianças da favela que pequenas, cuidavam da mãe portadora do vírus HIV e que hoje sabemos que moram na França, amorosamente adotadas por um casal também generoso preocupado com o futuro delas depois que a mãe faleceu, os tantos mendigos do centro da cidade para os quais distribuímos copos e mais copos de chocolate quente nas frias madrugadas de São Paulo, as inumeráveis sacolas de natal distribuídas às crianças pobres de vários lugares, as inúmeras pessoas assistidas com cestas básicas, evangelização e palestras na tentativa de “ensinar a pescar” como tantos dizem.

Aí um dia, passou pelo caminho dele outro generoso, o Sebastião Teixeira, filho de Minas Gerais como ele e com um pai que também se chamava Braz, eles se tornaram “amigos de infância”. Para ele meu pai contou seu sonho: queria fundar uma instituição para ajudar pessoas necessitadas, queria ser “instrumento de mudanças” para quem sabe, melhorar um pouco a vida daquelas pessoas quase sempre esquecidas pela sociedade.

O Sebastião tinha um terreno que doou, assim no lugar certo e com as pessoas certas como dizem, foram unidas “a fome com a vontade de comer”. Assim surgiu o NASCE - Núcleo de Assistência Social Casa da Esperança (pelo menos neste ponto a generosidade foi minha: fui eu quem batizou a obra, risos), construído no bairro do Itaim Paulista, periferia pobre da zona leste de São Paulo.

Na época que lá chegamos, ainda passavam nos jornais diários as notícias dos alagamentos nos casebres do “Jardim Pantanal”. A situação era precária e fomos testemunhas de muitas histórias tristes, de muitas vidas sofridas de pessoas totalmente sem uma razão para viver ou esperança de um futuro melhor. Havia muito trabalho pela frente e para falar a verdade, ainda há muito por fazer.

O Nasce em sua essência era um centro espírita Kardecista, atuando dentro das diretrizes e conhecimentos que tínhamos obtido, nas várias instituições do mesmo tipo, pelas quais passamos como voluntários e sempre com este mesmo grupo: S. Corrêa, Cláudio, Celso, Carlos, Chicão e Luiz.

Sua fundação foi em 1997. De lá para cá, muita coisa mudou. Idealizado e construído a partir da união deste grupo de amigos e pela generosidade de muitas outras pessoas que não menciono, mas que doaram dinheiro, tempo, esperança e amor, unidos com uma finalidade em comum: trabalhar por nossos irmãos menos favorecidos. No início pela inexperiência, trilhamos o caminho que conhecíamos o da “evangelização” a doutrina era nosso principal foco, pois como espíritas, acreditamos que a falta da fé, amor ao próximo e à Jesus é que causa a grande falência do ser humano. Mas a vida hoje exige das pessoas um posicionamento diferenciado e se temos realmente o desejo de ajudar o próximo, não podemos só ficar tentando “influenciar religiosamente à todos”, pois religião não enche barriga, não sacia fome e não faz emprego cair do céu. Precisávamos abrir novas portas...

Era preciso criar alternativas e atividades relevantes não só para o lado espiritual, mas também para o intelecto, a evolução das pessoas que freqüentavam a instituição. O Nasce então, como o próprio nome diz: renasceu!

Nos últimos anos a instituição tem procurado trabalhar (sem perder sua essência e foco) mais ligada à atividades educativas que possam trazer retorno efetivo para as pessoas que lá freqüentam, que as façam abrir suas mentes, ter desejo de mudar suas vidas e irem em busca de novas perspectivas, novos caminhos e evoluir. Acho que esta é a melhor palavra.

Em 2001 conseguimos montar uma biblioteca, ganhamos uma mini-panificadora e até uma pequena sala de informática, nos últimos anos conseguimos aumentar um pouco a área construída, continuamos com as palestras (agora sem cestas básicas) e a meta é transformar o Nasce em uma escola. Conseguimos dar um passo muito importante com a formação de um grupo de escoteiros, atividade que tem gerado frutos maravilhosos e que se tornou nosso maior orgulho. São 80 crianças, poderiam ser muitas mais se tivéssemos apoio...

Seu Corrêa, meu pai... Continua lá firme e forte, trabalhando para que o Nasce seja cada dia melhor, ajuda as pessoas que o procuram, se preocupa com as crianças, com suas refeições, com o futuro delas... Como eu disse: há 11 anos atrás, ele poderia simplesmente ter pensado ao se aposentar  -  “Agora vou descansar!”, mas ao contrário ele disse - “Vou trabalhar mais!”. Penso que quando uma pessoa deixa de lado a própria vida, seu descanso, seu lazer e em muitos momentos, a própria família. Alguém que esquece de si mesmo para pensar no outro, no seu progresso, na sua evolução, que vive em prol de uma causa maior, pelo bem dos seus irmãos, é mais que generoso. É alguém que ama incondicionalmente seu próximo, que se conscientizou que na vida, não estamos à “passeio” e que é preciso que cada um faça sua parte, pois há muito trabalho e, se todos participarmos da “partilha”, muito sofrimento poderá ser evitado.

Este é meu pai e sua história tão cheia de histórias que nem daria para eu escrever aqui, de tantas que são. Seu sonho: transformar o Nasce em uma escola, “escola para a vida, para a esperança”, porque como ele diz: “precisamos durante a vida, nos conscientizar! Porque a única certeza que temos durante nossa passagem por este mundo, é que um dia iremos morrer e para que consigamos vencer mais esta etapa, a da grande viagem... Precisamos estar preparados, pois na vida nos preparamos para tudo, menos para morrer e talvez esteja aí a maior contradição do ser humano”. A escola que ele tanto deseja é para que as crianças que ele ama, possam como ele “aprender” e sair lá na frente, de cabeça erguida, de peito estufado. Com dificuldades sim, com pedras pelo caminho talvez... Mas sem precisar viver em condições subumanas e privadas de quase tudo. Por que num mundo em que já estiver definitivamente compreendido o significado e a importância da palavra GENEROSIDADE, se tornarão desconhecidas as palavras: descaso, fome, analfabetismo, violência e dor. 
(Escrito em maio / 2008)

Nenhum comentário:

Postar um comentário